Ação civil pública pede que Justiça condene Vínículas do RS por dano Coletivo

Entidades negras e ligadas a defesa dos direitos humanos dos Estados do Rio Grande do Sul, Tocantins e São Paulo, protocolaram nesta sexta-feira (17/03), por intermédio do Coletivo Cidadania, Antirracismo e Direitos Humanos, Ação Civil Pública em que pedem a Justiça a condenação das vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi,  acusadas de trabalho análogo à escravidão, ao pagamento de uma indenização de R$ 207 milhões, por dano moral coletivo.

A ação, que foi protocolada na tarde desta sexta e distribuída para a 2ª Vara Cível de Bento Gonçalves (RS), pede que a condenação seja equivalente a R$ 1 milhão para cada trabalhador resgatado.. Subscreveram a ação as Associações, Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras, do Rio Grande do Sul, Coletivo de Advogados pela Democracia (COADE) e a Soeuafrobrasileira, ambas de São Paulo, e o Movimento Estadual de Direitos Humanos no Tocantins,

As entidades – representadas pelos advogados Antônio Carlos Côrtes (RS), André Moreira (ES), Cláudio Latorraca, Dojival Vieira, Ed Mattos, Carlos Alberto Silva, Francisco de Assis da Silva Filho e Anália Ricardo da Silva, todos de São Paulo; Lucílio Casas Bastos e Maria Rosa Bahiano Pedral Sampaio, da Bahia, e Maria de Fátima Dourado da Silva, do Tocantins – lembram que o resgate de 207 trabalhadores em um Alojamento, em Bento Gonçalves/RS, por intermédio de operação realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público Federal do Trabalho (MPFT) Polícias Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), chocou o país e ganhou repercussão em todo o mundo.

De acordo com os órgãos envolvidos na Operação, os trabalhadores utilizados na colheita da uva eram agenciados através de uma empresa terceirizada que os trazia do nordeste, principalmente da Bahia, com promessas de emprego temporário e ofertas de salário de até R$ 4 mil (quatro mil reais), alojamento e refeições pagas.

A colheita era realizada para três grandes vinícolas da região: Aurora, Salton e Garibaldi, rés nesta Ação Civil Pública.  Ao chegarem ao local, os trabalhadores foram expostos a jornadas exaustivas, condições degradantes em alojamentos insalubres, consumo de alimentos estragados, restrição da locomoção, restrição ao uso de seus objetos pessoais, vigilância ostensiva e contração forçada de dívidas – configurando trabalho realizado em condição análoga à de escravos.

Segundo os advogados que assinam a petição, “a gravidade da violação de direitos dos trabalhadores foi ainda mais profunda porque os nordestinos relatam sessões de espancamento com cabos de vassouras, cadeiras, mordidas, choques elétricos e ataques com spray de pimenta, além de ameaças de morte”. Segundo as vítimas, o tratamento dado aos trabalhadores gaúchos era diferente. Os nordestinos, na sua maioria negros, eram punidos com agressões físicas, enquanto os gaúchos, não sofriam o mesmo tipo de punição, evidenciando a prática criminosa de racismo e xenofobia.

De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), 95% dos escravizados resgatados em Bento Gonçalves, se autodeclararam negros (64% pardos e 31% pretos), e 93% nasceram na Bahia. Todos são homens, sendo 56% com idades, entre 18 e 29 anos, e 61% não concluíram o ensino fundamental ou são analfabetos, o que reforça a situação de vulnerabilidade em que se encontravam.

Faturamento milionário

As três empresas juntas, em 2022, tiveram faturamento superior a R$ 1 bilhão. Só a Salton chegou a R$ 500 milhões, o maior de toda a história da empresa, que é líder nacional em espumantes há 18 anos.  A Vinícola Garibaldi encerrou 2022 com faturamento de R$ 265 milhões, 10% superior ao faturamento do ano anterior.

As entidades pedem, ainda, na ação que, em consequência do reconhecimento das práticas das empresas estruturadas em critérios discriminatórios de origem regional, as vinícolas sejam obrigadas a promoverem Campanha Nacional de Combate à Discriminação de regional e étnica, que atinge a população nordestina, em especial, nos estados do Sul e sudeste do país. Na hipótese de descumprimento, a fixação de multa de R$ 100 mil por dia, a ser revertido em favor também do CODENE.

As entidades criticam duramente o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pelas empresas com o Ministério Público Federal do Trabalho, pelo qual as vinícolas se comprometem a pagar R$ 7 milhões de reais aos resgatados, à título de dano moral coletivo.

Embora reconheçam a legitimidade para negociar tais acordos, as entidades chamam a atenção para o fato de que, órgãos que deveriam se pautar pelo cumprimento e exigências da Lei, se antecipem para negociar acordos em que transgressores e praticantes de crimes acabam por sair em vantagem; tanto porque tem reduzidos os valores que deveriam desembolsar à título de indenização por dano moral coletivo, quanto porque reduzem também os danos as imagens bastante abaladas perante a opinião pública. “É uma vergonha, um escárnio, um deboche”, afirmam os advogados.

Na ação, que será julgada pelo titular da 2ª Vara Cível de Bento Gonçalves, Paulo Menegetti, os advogados pedem seja oficiado ao Ministério Público do Trabalho o pedido para que junte, como meio de prova, os  documentos que embasaram o Termo de Ajustamento de Conduta.

Mesmo porque, acrescentam, tal ajuste, nada mais é do que uma confissão explícita das práticas condenáveis. “Se não, quem em sã consciência, assinaria um Termo de Ajustamento de Conduta assumindo arcar com custas dessa monta, sem culpa?”, concluem.

*Com informações do Afropress

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